Este espaço é desaconselhável a menores de 21 anos,
porque a história de nossos políticos
pode causar deficiência moral irreversível.

É a vida de quengas disfarçadas de homens públicos; oportunistas que se aproveitam de tudo e roubam sem punição. Uma gente miúda com pose de autoridade respeitável, que engana o povo e dele debocha; vende a consciência e o respeito por si próprios em troca de dinheiro sujo. A maioria só não vende o corpo porque este, além de apodrecido, tem mais de trinta anos... não de idade, mas de vida pública.


terça-feira, 26 de março de 2013

ENEM - QUEM ELEGE ! (e um caso real)

A redação do Enem
Joaquim Ferreira dos Santos
 
 
Sem querer, os estudantes na redação do Enem fizeram a melhor crítica literária da relação do país com sua maneira de ler, escrever e reconhecer mérito .
 
Sabe todo mundo que escreve, até mesmo os jornalistas, os mais humildes funcionários da palavra, da necessidade de um texto arrebentar de brilho na abertura e se encerrar retumbante, com aquilo que os antigos do soneto chamavam de chave de ouro. O miolo, bem, o miolo dá-se um jeito (*).
 
A literatura mundial está cheia de casos assim. Frases incríveis na página um de livros que depois, coitados, o escritor vai se cansando, a falta de imaginação se sobrepondo à sua pequena estatura intelectual, e tudo escorre ladeira abaixo até ele acordar na última linha para o dó de peito estilístico, levantador de plateias. 
 
Eu quase escrevo “ladeira abaicho, pois este texto pretende se solidarizar, pelo menos entender e dizer que não é fássil pra ninguém, com os estudantes que fizeram as provas de redação do Enem. Eles enxeram os textos desses orríveis erros hortográficos e sofreram o mesmo drama dos profissionais da escrita. O que, caraca!, colocar entre o brilhareco da frase de abertura e o fecho de ouro? 
 
Teve estudante que colocou o hino do Palmeiras, outros, a receita de Miojo. Eu aproveito o ensejo, já estamos chegando ao miolo, para dizer que lá em casa tem um bigorrilho e que esse bigorrilho fazia mingau, foi ele quem me ensinou a tirar o cavaco do pau. 
 
Em baixa dramaturgia, como a que é praticada na novela das nove ou na moderna literatura brasileira, o problema desse bigorrilho sem nexo é vulgarmente identificado como barriga. O nome é perfeito. No ser humano designa aquele estrupício cheio de longas tripas entre o rosto angelical e o delicioso parque de diversões da sexualidade. Em arte, é o ronco das tripas do leitor reclamando a grana de volta. 
 
Na novela da Globo, a barriga é escancarada naquelas cenas em câmera lenta, diálogos intermináveis, com zero de acontecimentos, no ar apenas para que ela se estique e chegue aos 180 capítulos regulamentares e pague a produção. 
 
No romance, a barriga está nas páginas e mais páginas, geralmente descritivas da luz ao pôr do sol, feitas apenas para que o livro saia da definição menos comercial de contos ou ganhe solidez física. Editores adoram encomendar livros que fiquem de pé no balcão da Travessa. Pedem “algo em torno de” 400 páginas, pois acham que paralelepípedos aparentam força intelectual. Na verdade, sinalizam que é grande o risco de se estar comprando uma obesidade narrativa. 

 
Ninguém quer carregar uma barriga, mas, como todos sabemos, não só os que escrevem, elas aparecem insistentes mesmo malhadas diariamente com o ferro das abdominais. 
 
Os estudantes, amadores de texto, erraram apenas em evidenciar, com os hinos clubísticos e as receitas de alta caloria, que seus textos eram portadores desse mal terrível. Um autor de hai-kai, por mais genial, não passaria no vestibular. Uma novela de três linhas do Dalton Trevisan também teria poucas chances. Estamos num país onde a verborragia é elogiada, a oratória barroca do deputado baiano é mito intelectual. Na contramão desses delírios, Drummond dizia: “escrever é cortar palavras”. 

 
Na prova do Enem, os estudantes sabem que os professores gostam de volume. E foi o que eles deram, um punhado de palavras significando nada. Um levou nota mil. Outro, 500. 
 
O Brasil adora uma barriga, uma encheção de linguiça. Drummond seria reprovado. Rubem Braga, sempre aconselhando “palavras curtas”, também não iria longe. Eu li os textos barrigudos do Enem. Notei, além da necessidade de esticar o assunto, de se esticar também as palavras. Quanto maiores elas forem, mais a impressão dão de se estar inconstitucionalissimamente dizendo algum coisa. 
 
A prova de redação do Enem é a melhor crítica literária da relação do país com a sua maneira de ler, escrever e reconhecer mérito. 
 
Os estudantes perceberam que a verborragia insaciável e sem sentido (“sou deputado baiano, eu quero é falar”, dizia a marchinha) agrada a plateia. Mandaram brasa, com o repertório que tinham para preencher a falta de assunto. Sabiam que ninguém presta atenção (como parece ter sido o caso dos professores encarregados de pontuar o que não estavam lendo). Sem citar nomes, passavam adiante os ensinamentos dos grandes mestres nacionais da língua, gênios como o José Luiz Datena, o Silvio Santos, o Faustão, o Galvão Bueno, metralhadoras verbais que passam horas no ar dizendo... o quê mesmo? 
 
Fala-se pelos cotovelos, há gordura por todos os cantos dos textos — é o normal da civilização brasileira —, e os professores do Enem não precisaram nem ler. Diante da evidência caudalosa de que estavam diante de imensas barrigas literárias, deram dez, nota dez. Este é o país em que o presidente Juscelino Kubitschek, para encher de pompa os discursos, pedia ao redator: “Espalhe umas borboletas entre os parágrafos”. Estudantes, anarquistas graças a Deus, espalharam miojo e banha de porco.
 
(*) Há muitos anos atrás, tinha um professor que adorava nos encher (enxer estará mais de acordo) de trabalhos de casa .  Percebi que havia alguma coisa errada quando tirava sempre a mesma nota, fossem mais ou menos bem feitos.  Resolvi fazer um teste e enchi  (ou enxi?) o trabalho com inúmeras páginas ridículas que não tinham nada a ver com o assunto.  Advinhem! Tirei a mesma nota de sempre.  O resto da historinha já podem imaginar qual foi.
 
O tal professor deve ser petista, pois ...
trabalhar dá um trabalho danado!

 

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