Por Evo, Dilma vai ao banco dos réus do STF
Publicado no jornal O Globo
e no Grupo PORTA DA PRIVADA.
Dilma Rousseff vai ao banco dos réus. Foi acusada de violação de garantias constitucionais à liberdade individual, coação ilegal e abuso do poder presidencial em um caso de direitos humanos que o Supremo Tribunal Federal prevê julgar nesta semana: o pedido de habeas corpus para o senador e líder da oposição na Bolívia Roger Pinto Molina, há um ano confinado na Embaixada do Brasil em La Paz apesar de ter recebido asilo político brasileiro.
Segundo o processo, desde a concessão do asilo, as decisões de Dilma só beneficiaram o presidente boliviano Evo Morales, que deseja encarcerar o líder da oposição, seu potencial adversário na eleição presidencial do ano que vem.
O caso não tem precedentes. O Supremo vai decidir se tem o dever e o poder para intervir, impondo a soberania das leis brasileiras em uma área de representação nacional localizada em território estrangeiro, com o objetivo de garantir os direitos constitucionais de um asilado político. Poderá obrigar a presidente da República a agir com urgência para resolver um impasse de 12 meses com o governo Morales, que se nega a conceder salvo-conduto ao líder oposicionista na viagem da embaixada para uma cidade brasileira.
Essa ação judicial tem implicações relevantes. Ela expõe Dilma, presa política durante a ditadura militar, ao constrangimento público da acusação de violar os direitos humanos de um asilado político do Brasil.
E mais: alinha o governo Dilma à administração George W. Bush, processado na Suprema Corte dos Estados Unidos por ter mantido em uma espécie de limbo jurídico os prisioneiros de sua Guerra ao Terror levados ao centro clandestino de detenção na base naval de Guantánamo, enclave militar norte-americano criado há 110 anos na ilha de Cuba. Em 2008 o juiz Anthony Kennedy, da Suprema Corte, decidiu que Bush violava os direitos constitucionais fundamentais - e não apenas o de habeas corpus - dos suspeitos de terrorismo detidos em Guantánamo. Com base nessa sentença é que foi construído o pedido de habeas corpus do senador boliviano contra o governo Dilma Rousseff no Supremo Tribunal Federal.
O senador boliviano Roger Pinto Molina, 53 anos, líder do partido Podemos, tornou-se uma referência da oposição ao governo Evo Morales. Fez sucessivas denúncias de corrupção na exploração de gás e petróleo, na construção de estradas, narcotráfico e proteção dos cartéis colombianos, mexicanos e ao PCC do Brasil pela presidência boliviana. Colecionou mais de 20 processos de todo o tipo, e em diferentes estados o que inviabilizou sua defesa. Na segunda-feira, 28 de maio do ano passado, que ele entrou na embaixada do Brasil. Em apenas 11 dias recebeu asilo diplomático como reconhecimento da sua condição de perseguido político.
Passaram-se 12 meses e o senador permanece confinado a uma sala de 20 metros quadrados na embaixada, com restrições crescentes. Há pouco pediu para ser submetido a exames. Em resposta, o governo brasileiro “sugeriu que fizesse, pasme-se, um requerimento por escrito” - relatou seu advogado, Fernando Tibúrcio, aos ministros do Supremo.
A inércia brasileira no caso do líder da oposição a Morales expõe Dilma, também, na contramão da história escrita por seus antecessores com o instrumento do asilo político. Em 1986, José Sarney enviou um avião militar a Assunção para resgatar o ditador recém-deposto Alfredo Stroessner a quem dera asilo - ele morreu duas décadas depois, ainda asilado em Brasília. Em 1999, Fernando Henrique mandou a Força Aérea retirar o presidente Raúl Cubas cuja renúncia levara o Paraguai a uma crise política. E, em 2005, Lula despachou um avião ao Equador para salvar o coronel Lúcio Gutiérrez, deposto da presidência.
Há parlamentares em Brasília convencidos de que a omissão governamental na proteção de uma pessoa submetida à jurisdição brasileira faça parte de uma eventual negociação com o governo Morales para libertação de brasileiros com “prisão preventiva” por até três anos em cárceres bolivianos - existe uma centena deles, incluída a dúzia de torcedores do Corinthians suspeitos na morte de um boliviano com o disparo de um foguete em estádio de futebol. Ambos governos têm negado uma “troca de prisioneiros”.
Quando concedeu asilo a um perseguido político, Dilma Rousseff tomou uma boa decisão, coerente com a biografia da presidente e a tradição da política exterior brasileira. Quando esse caso diplomático vira processo no Supremo por violação de direitos humanos, constata-se que o governo realizou a proeza: transformou um gesto humanitário em derrota política.
Por inércia, Dilma acabou aprisionada por Evo Morales na Embaixada do Brasil em La Paz.
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