BLOG CACHORRO LOUCO
CARTA DO
ZÉ COCHILO (da roça) PARA SEU COLEGA LUIZ (da
cidade)
É interessante e verdadeiro.A carta a seguir -
tão somente adaptada por Barbosa Melo -, foi escrita por Luciano Pizzatto que é engenheiro
florestal, especialista em direito sócio ambiental e empresário, diretor
de Parque Nacionais e Reservas do IBDF-IBAMA 88-89, detentor do primeiro Prêmio Nacional de
Ecologia.
Pra ajudar com as
vacas de leite (o pai se foi, né ), contratei Juca, filho de um vizinho muito
pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o
contador mandou.
Ele morava aqui com
nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas
vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram
que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora
extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas
daqui não sabem os dias da semana, aí não param de fazer leite. Ô, os bichos aí
da cidade sabem se guiar pelo
calendário?
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Essas pessoas
ainda foram ver o quarto de Juca e disseram que o beliche tava 2 cm menor do
que devia. Nossa! Eu não sei como encompridar uma cama, só comprando outra,
né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que
ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do
Juca.
Disseram ainda
que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário
dele. Bom Luís, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas
muito bem protegido pelos sindicatos, pelos fiscais e pelas leis. Mas eu acho
que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade
porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia,
bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para
acudi-lo.
Depois que o Juca
saiu, eu e Marina (lembra dela, né? Casei) tiramos o leite às 5 e meia, aí eu
levo o leite de carroça até a beira da estrada, onde o carro da cooperativa pega
todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou
melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não
tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o
riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só
fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que
fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava
certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia pra
fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os
porcos, as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor
disse que desta vez, por esse crime, ele não vai mandar me prender, mas me
obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luís, aí quando vocês
sujam o rio também pagam multa grande, né?
Agora pela água
do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora
o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos
dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer
erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade.
Mas não é o povo da
cidade que suja o rio, né Luís? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem
multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora! Tinha uma
árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi
derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da
casa.
Fui no escritório
daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital,
preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vir fazer um laudo, para ver
se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal
laudo, aí eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro
dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque
virei criminoso reincidente. Primeiro foram os porcos, e agora foi o pau. Acho
que desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado,
Luís, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por
hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana.
Então é melhor vender e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a
cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado,
só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra
todos.
Eu vou morar aí
com vocês, Luís. Mas fique tranquilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio
primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar
tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra
levar pra casa. Aí é bom que vocês é só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá
trabalho, nem plantar, nem cuidar de galinha, nem porco, nem vaca, é só abrir a
geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os
criminosos aqui da roça.
Até mais
Luis.
Ah, desculpe, Luís,
não pude mandar a carta com papel reciclado, pois não existe por aqui, mas me
aguarde até eu vender o sítio.
(Todos os fatos e situações de multas e
exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar
responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e
discricionário entre o meio rural e o meio urbano.)
Divulgue!
Divulgue!
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